CARPE DIEN

quarta-feira, 27 de maio de 2009

3ªS SÉRIES - FICHA II - CONFLITOS COM JOVENS IMIGRANTES NA FRANÇA

São Paulo, quarta-feira, 28 de novembro de 2007


Violência continua e Sarkozy faz reunião para estudar respostas Villiers-le-Bel tem novos embates e atos chegam a Toulouse (sul); para socióloga, confrontos são fruto de relação tensa entre jovens da periferia e polícia CÍNTIA CARDOSOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
As noites consecutivas de conflitos entre a polícia e jovens no subúrbio parisiense de Villiers-le-Bel mobilizaram a cúpula do governo francês. Hoje o presidente do país, Nicolas Sarkozy, e o primeiro-ministro, François Fillon, reúnem-se com um grupo de ministros para avaliar a situação.Ontem o governo ordenou o aumento da segurança nos subúrbios ao norte de Paris, e a polícia enviou 130 policiais extras para tentar impedir uma terceira noite de protestos. Segundo a Associated Press, o número de policiais nos subúrbios ao norte de Paris chegou a mil ontem. Ainda assim, jovens em Villiers-le-Bel incendiaram lixeiras e lojas. Os conflitos se estenderam até Toulouse, no sul, onde até 20 carros e uma biblioteca foram queimados. Ao menos 20 jovens foram presos.O número de policiais feridos havia chegado a 120 até ontem, seis deles em estado grave. Quatro foram atingidos por armas de fogo, segundo o "New York Times". Além de Villiers-le-Bel, municípios vizinhos como Cergy, Ermont, Goussainville, Fosses e Argenteuil também registraram tumultos desde domingo. Mais de 60 carros foram queimados.ContençãoEm 2005, quando eclodiram conflitos nas periferias francesas que duraram três meses, Sarkozy, então ministro do Interior, chamou de "ralé" os jovens das periferias, inflando os ânimos dos revoltosos."Dessa vez, o governo tem sido extremamente modesto nas atitudes e declarações. Em 2005, o tom foi de provocação", disse à Folha Angelina Peralva, professora de sociologia da Universidade Toulouse le Mirail. Graças a isso, Peralva afirma que é possível que a crise não tenha um alcance nacional.Os confrontos dos últimos dias mostram um embate violento contra as forças policiais. Encapuzados e armados com cacos de vidro, barras de ferro e até uma arma de caça, grupos de jovens afrontaram a polícia nas ruas de Villiers-le-Bel.Numa visita à cidade na terça-feira, o premiê francês condenou a violência "intolerável " e "incompreensível".O estopim dos confrontos foi a morte de Moushin, 15, e Larami, 16, que estavam em uma moto quando se chocaram com um carro de polícia.O Ministério Público abriu investigações. A procuradora de Pontoise, Marie-Thérèse de Givry, declarou que o caso deve ser tratado como um "acidente de circulação" [tráfego]. A princípio, os policiais poderiam ser indiciados por homicídio involuntário e omissão de socorro. Especula-se que os policiais tenham deixado o local do acidente muito rápido e sem prestar a devida assistência.Mas as investigações também não excluem a responsabilidade dos jovens, que estariam conduzindo a motocicleta acima do limite de velocidade.Tensão socialAssim como em 2005, a revolta de adolescentes da periferia contra a polícia ressalta o problema da inserção social desses jovens, na sua maioria filhos de imigrantes da África subsaariana e do Magreb. Em um relatório de 2001, o INSEE, órgão de estatísticas do governo francês, já considerava "preocupante" a situação social da região Plaine de France, onde se localiza Villiers-le-Bel.A região combina altas taxas de desemprego e população com baixo índice de qualificação profissional. No caso dos jovens, a proporção de desempregados encosta em 30%. A média geral francesa é de 8,6%.Mas Peralva enfatiza que o núcleo da tensão dos subúrbios está na relação entre os jovens e a polícia. "A polícia cristaliza a relação tensa da sociedade com os imigrantes. Nessas periferias há um forte ódio contra a polícia. Há ainda uma descrença na autoridade policial, que não tem legitimidade aos olhos dessa população", avaliou.O atual presidente, Sarkozy, vê na questão dos subúrbios um problema policial. A tônica é aumentar a repressão.


São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 2005


MUNDO O Folhateen conversou com alguns dos jovens que causaram tumulto na França nas últimas semanas; saiba como eles são Capitães da fumaça
FÁBIO VICTOR ENVIADO ESPECIAL A PARIS
No último dia 27 de outubro, Bouna Traore, 15, e Zyed Benna, 17, achavam que estavam sendo perseguidos pela polícia e se esconderam numa central de energia em um subúrbio de Paris. Morreram eletrocutados. Outros jovens usaram o episódio para se vingar do que reclamam sofrer há tempos nas periferias francesas: repressão policial, discriminação, preconceito, desemprego.Passaram a tocar fogo em tudo, principalmente em carros. Estava formada a maior revolta social dos últimos 40 anos no país que diz ser o berço da democracia moderna. Na linha de frente do conflito, garotos. A revolta dos incendiários franceses, que espalhou pelo mundo imagens chocantes de línguas de fogo consumindo automóveis e prédios é uma guerra "teen".Durante uma semana, a Folha percorreu várias cidades da periferia de Paris e conversou com dezenas de incendiários. Há muitos com 14 anos, a maioria está entre 16 e 18, dificilmente têm mais de 20. Assim como Bouna, com origens no Mali, e Zyed, de ascendência tunisiana, a maior parcela dos revoltosos nasceu na França e tem como pais ou avós imigrantes do norte da África.São quase todos muçulmanos, embora seja equivocado relacionar os distúrbios a motivos religiosos. Também não parece certeiro ver neles motivação política.Versão incendiária dos "Capitães da Areia", do clássico de Jorge Amado, adolescentes rebeldes que
usavam o crime como componente libertário, os garotos franceses não parecem portadores de uma mensagem engajada. Queimar carros e quebrar lojas é a expressão de sua independência. E de sua ira contra um inimigo definido.Derrubar Nicolas Sarkozy, ministro do Interior francês que adotou uma política linha-dura de combate ao crime nas periferias é o objetivo-desafio da molecada.
Negros ou de traços árabes, costumam olhar um
intruso com cara de malvados. Mas basta uma
aproximação, um tratamento respeitoso, para que um diálogo tranqüilo se estabeleça.Uns chegaram a contar onde compraram gasolina, como prepararam os coquetéis molotov que atiraram nos carros na noite anterior. Esses normalmente dão os seus nomes completos e não têm um pingo de medo de falar dos crimes que cometem. Relatam que são traficantes ou que simplesmente consomem drogas.Mas há muitos que se recusam a dar nome, ou os que, como astros da cultura hip hop que admiram, dão apenas um apelido.A paixão pelo gangsta rap fica nítida nas roupas que vestem (calças largonas, bonés, abrigos esportivos com capuz, tênis) e na atitude (gestos com as mãos, caras de durões). Alguns usam dreadlocks no cabelo. Brincos e colares são comuns.Sem ideologia, sem um líder, sem aviso prévio, queimaram quase 10 mil carros em pouco mais de duas semanas. Levaram o governo da França a adotar o estado de emergência, medida extrema que amplia o poder da polícia e limita as liberdades civis. E têm menos de 20 anos.


São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005


EUROPA - Reportagem da Folha passa a noite em Clichy-sous-Bois, ponto de partida dos conflitos na França, e constata a tensãoCidade onde tudo começou é assustadora
FÁBIO VICTORENVIADO ESPECIAL A CLICHY-SOUS-BOIS Os hotéis Formule 1, um êxito do conceito de hospedagem popular da rede francesa Accor, a maior da Europa, têm quartos muito simples, banheiros "de avião" para uso coletivo e diárias a preços convidativos. Em São Paulo, onde há três deles, uma noite na unidade dos Jardins sai a R$ 63 por pessoa.Em Clichy-sous-Bois, periferia ao norte de Paris, também tem um Formule 1. A entrada, bem cuidada, é cercada de cipestres e plátanos, e a tarifa custa 29 (cerca de R$ 75), uma pechincha para o padrão francês. Mas hospedar-se ali, bem no meio da cidade onde emergiram os distúrbios sociais que há 16 dias agitam o país, tornou-se um suplício.O hotel fica em frente à Cité Le Forestier, um conjunto habitacional degradado, com 24 prédios de pintura descascada, vidros quebrados, varais nas varandas e mato seco por todos os lados. É, de longe, a vizinhança mais assustadora entre as muitas periferias que a Folha visitou na última semana. Lá moravam os dois adolescentes que morreram eletrocutados em 27 de outubro, quando entraram numa central de energia enquanto fugiam da polícia. A morte dos dois foi o estopim da violência que se espalhou pelo país, com saldo até aqui de uma morte, quase 8.000 carros e dezenas de prédios queimados e cerca de 2.500 detidos.A revolta foi agravada quando, dias depois do episódio, policiais atiraram uma bomba de gás lacrimogêneo dentro da mesquita Bilal, também em Clichy, na hora da oração. O templo muçulmano está a 300 metros do Formule 1.Como muitos outros ao seu redor, esse município com 28 mil habitantes e taxa de desemprego beirando os 25% virou um encrave dos rebeldes. Centenas de carros foram queimados nas últimas semanas nas redondezas do hotel. Uma escola primária ardeu lá perto, assim como um ginásio.Desde que tudo começou, ônibus e táxis deixaram de circular à noite. Quando escurece em Clichy, quem está fora dificilmente consegue entrar; quem está dentro não pode sair. Ou seja, uma das raras maneiras de um forasteiro passar uma noite inteira ali é se hospedando no F1.Foi o que fez a reportagem da Folha na última quinta-feira.ViagemChegar a Clichy a partir de Paris é trabalhoso. Da estação de Bobigny-Picasso, um dos extremos da linha 5 do metrô, toma-se o ônibus 146, que, 50 minutos e 26 paradas depois, está no bulevar Emile Zola, a rua do hotel. No caminho se avistam as cinzas do ginásio esportivo Armand Desment, incendiado pelos adolescentes. Percebe-se que era uma construção enorme.A história do hotel dá a medida de sua vizinhança. Inaugurado em 1991 pela Accor, transformou-se ao longo dos anos num ponto de drogas. Em 2000, depois que a polícia descobriu meio quilo de cocaína num quarto, a rede decidiu fechá-lo. Só o reabriu em setembro passado, reformado.Há muitas vagas disponíveis. O atencioso gerente Aomar Ilikoud, 36, francês descendente de argelinos, insiste que o movimento não caiu por causa dos distúrbios. "No máximo 2%", calcula.Na quinta eram 40 os apartamentos ocupados, de 98.Igor Morye, que desce do seu quarto para pegar um salgadinho na máquina, ajuda a entender por que o fluxo do estabelecimento está mantido. Fotógrafo da "Gazeta Wyborcza", maior diário da Polônia, ele é um dos muitos jornalistas que acorreram ao local em busca de uma visão mais microscópica da crise das "banlieues" (periferias) francesas.Morye, 30, teve um dia espinhoso. Caminhava pelo bairro com a repórter do seu jornal, grávida de cinco meses, quando foi atacado com um barra de ferro por dois jovens. Fugiu correndo, sofreu só ferimentos leves. Não tem certeza de por que lhe fizeram aquilo. Talvez por saberem que era jornalista, talvez por ser loiro de olho claro, ele interpreta.Escurece, e o polonês convida para mostrar o local, quase ao lado do hotel, onde um carro foi queimado na noite anterior, o estacionamento de um pequeno estádio. No chão só resta um rastro negro -a polícia já removeu a carcaça. Atrás de um furgão, um adolescente segura uma lata. Nos avista e vem em nossa direção com olhar de poucos amigos. Apressamos o passo, enquanto ele começa a gritar insultos incompreensíveis.Cidade fantasmaClichy-sous-Bois não adotou o toque de recolher, que poderia ter solicitado depois que o governo decretou estado de emergência, na terça. Mas é como se o tivesse feito. As ruas começam a se esvaziar rapidamente.Uma mulher fecha o seu Renault Clio dourado. É Naima Nacer, 28, vendedora desempregada, que mora com os pais, marroquinos, na Cité Le Forestier. O automóvel vai dormir na rua. "Tenho medo de que queimem, mas vou fazer o quê?" Ela confia que os alvos preferenciais são os carros abandonados. A irmã, Samira Latin, liga no celular de Naima, e se estabelece uma espécie de conferência. "Ela está dizendo pra você botar aí [no jornal] que Sarkozy tem razão de agir dessa forma."É uma manifestação incomum de apoio de moradores dos subúrbios ao ministro do Interior francês, Nicolas Sarkozy, odiado pelos incendiários, a quem chamou de "escória". Neste ponto as irmãs se dividem. Naima não tolera Sarkozy. Em comum, as duas têm o desejo de se mudar de Clichy o mais rápido possível.Serge Lagentie, um incendiário de 15 anos, descendente de guadalupenses, desempregado cujo desejo profissional é ser mecânico, diz que desceu apenas para "fumar um cigarrinho". Diz ele: "Enquanto Sarkozy não cair, isso não vai parar". E sai.Antes dos distúrbios, o portão do hotel fechava às 22h, agora fecha às 20h. Até aqui, conta o gerente Ilikoud, não houve ameaças ao estabelecimento. "Acho que sabem que um incêndio aqui causaria muitas mortes, o crime seria muito maior." Mas recomenda aos hóspedes que não vão para a rua à noite de jeito nenhum.Vigia doutorO vigia noturno é o camaronês Apolin Pehuie, 28. Ao lado do recepcionista Styve, 24, passa a madrugada entretido com jogos e vídeos num laptop, o qual usa também para estudar para seu doutorado em direito financeiro. Afirma que a função lhe traz uma certa inquietação, mas não de todo. "Se uma lâmpada já está queimada, você não pode ter medo de um curto-circuito", filosofa.Meia-noite. Chegam novos hóspedes: um casal de canadenses que tem parentes morando ali perto, um guineano deixado pelo primo. Juntam-se a gente como o senegalês Abou Tall, 31, cozinheiro que mora no F1 com a família , ou o recém-divorciado Eric Riviere, 41. "Os distúrbios não me incomodam. Quando sinto que tem um carro queimando, saio para ver. Aliás, não sei por que se impressionam. Queimar carros sempre foi a coisa mais comum na periferia de Paris."À 1h, 7º C, arrisco uma saída à rua, totalmente deserta. Um homem alto, vestindo um capuz, se aproxima. À primeira pergunta, vem uma outra: "Você é jornalista"? Minto. Ele pega o celular e se afasta olhando para trás, como se chamasse alguém. Volto apressado para o hotel, bato no portão, mas Apolin e Styve não vêm. O encapuzado continua olhando de longe. Enfim Apolin vem abrir. Desisto de cruzar a fronteira.Nenhum carro queimou em Clichy na madrugada de 11 de novembro. O único cheiro estranho partiu do precário aquecedor do quarto do Formule 1, incapaz de aquecer aquela noite gelada.



São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005
EUROPA - Lyon, terceira maior cidade, adota toque de recolherBatuque e passeata desafiam proibição de manifestação em Paris
DO ENVIADO A PARIS Manifestantes de partidos de esquerda desafiaram ontem a proibição de qualquer tipo de reunião pública decretada pelo governo -que recebeu ameaças de ataques a pontos turísticos- e realizaram uma passeata no centro da capital francesa.Sob batuques e gritos exortando a demissão do ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, protestavam também contra o toque de recolher, o estado de emergência e a discriminação racial.Cerca de 500 pessoas, lideradas pela LCR (Liga Comunista Revolucionária) e por várias associações civis, reuniram-se debaixo de garoa na praça de Saint-Michel durante duas horas e seguiram em passeata pela margem esquerda do rio Sena por cerca de 1 km.A Folha acompanhou a passeata. Com forte aparato de segurança, a tropa de choque francesa, porém, bloqueou todas as passagens na altura da avenida Voltaire, inclusive a da ponte Royal, que dá acesso ao Museu do Louvre, forçando o recuo dos manifestantes, que seguiram por ruas estreitas até o bairro St. Germain, onde se dispersaram. Os manifestantes prometeram se reunir hoje."Não podemos admitir essa política colonial. É desse jeito que você começa a privar os cidadãos das liberdades civis. Não iremos permitir isso", disse a médica Fátima Benjelloun,50, do Movimento dos Indigentes da República.Ontem à noite, as principais ruas parisisenses estavam sob forte esquema de segurança. Cerca de 3.000 policiais patrulhavam estações de trem, a Torre Eiffel e a avenida Champs-Elysées.Lyon, terceiro maior município da França (sudeste do país), adotou ontem o toque de recolher, impedindo menores de idade de sair às ruas desacompanhados de maiores das 22h às 6h. A medida, que vai até amanhã de manhã, vale para mais dez cidades da região. Também ontem, pela primeira vez desde o início da violência no país, manifestantes e policiais se enfrentaram no coração de Lyon. Forças de segurança lançaram granadas de gás lacrimogênio para dispersar grupos de jovens que atiravam projéteis e latas de lixo.Em Carpentras, no sul do país, um mascarado em uma moto atirou duas bombas incendiárias em uma mesquita e fugiu. Havia pessoas rezando na hora do ataque, no começo da noite de anteontem, mas ninguém ficou ferido.O presidente Jacques Chirac, o primeiro-ministro, Dominique de Villepin, e o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, condenaram o atentado e declararam solidariedade à comunidade muçulmana da cidade.NúmerosContra as expectativas de uma repetição da violência verificada há sete dias e de ameaças de intensificação de ataques incendiários, a primeira madrugada do final de semana na França foi relativamente tranqüila.Segundo números divulgados ontem pela polícia, houve um ligeiro aumento no número de veículos queimados (502) e de pessoas presas (206) em relação à madrugada da sexta-feira (463 e 201, respectivamente).Do início dos distúrbios, há 17 dias, até o fechamento desta edição já haviam sido incendiados, em todo o país, quase 8.000 automóveis e presas 2.440 pessoas, com aproximadamente 300 localidades atingidas pela sedição.