AUDIO MP3 (37 minutos) sobre o texto a seguir OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO FUTURO.
Edgar Morin.
Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum
programa
educativo,
escolar ou universitário. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no
secundário, nem no ensino universitário, mas abordam problemas específicos para
cada um desses níveis. Eles dizem respeito aos setes buracos negros da
educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas
educativos. Programas esses que, na minha opinião, devem ser colocados no
centro das preocupações sobre a formação dos jovens, futuros cidadãos.
O Conhecimento.
O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento.
Naturalmente, o ensino fornece conhecimento, fornece saberes. Porém, apesar de
sua fundamental importância, nunca se ensina o que é, de fato, o conhecimento.
E sabemos que os maiores problemas neste caso são o erro e a ilusão. Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos
que a maioria contém erros e ilusões. Mesmo quando pensamos em vinte anos
atrás, podemos constatar como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a
realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um
reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida
de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção, através do qual os olhos
recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados, transportados
a um outro código, que transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do
cérebro para, enfim, transformar aquela informação primeira em percepção. A
partir deste exemplo, podemos concluir que a percepção é uma reconstrução. Tomemos um outro exemplo de percepção
constante: a imagem do ponto de vista da retina. As pessoas que estão próximas
parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois à
distância, o cérebro não realiza o registro e termina por atribuir uma dimensão
idêntica para todas as pessoas. Assim como os raios ultravioletas e infravermelhos
que nós não vemos, mas sabemos que estão aí e nos impõem uma visão segundo as
suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções, traduções
da realidade. E toda tradução comporta o risco de erro. Como dizem os italianos
“tradotore/traditore”. Também sabemos
que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e uma alucinação.
Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César, não há
nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão
mortos. São os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não. Quero
dizer com isso que estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processos
de leitura isto acontece. Nós sabemos que não seguimos a linha do que está
escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam de uma palavra para outra e
reconstrói o conjunto de uma maneira quase alucinatória. Neste momento, é o
nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não reconhecemos os erros
porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando há um acidente
de carro. As versões e as visões do acidente são completamente diferentes,
principalmente pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em ângulos
diferentes. No plano histórico há erros,
se me permitem o jogo de palavras, histéricos. Tomemos um exemplo um pouco
distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra Mundial. Uma época em que a França e a Alemanha tinham
partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente,
eram contrários à guerra que se anunciava. Mas, a partir do momento em que se
desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente a uma campanha
de propaganda, cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis. Isto durou até
o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos trágicos do Oriente
Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um prefere camuflar a parte
que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro. Este problema se apresenta de uma maneira
perceptível e muito evidente, porque as traduções e as reconstruções são também
um risco de erro e muitas vezes o maior erro é pensar que a idéia é a
realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa com o
terreno. Outras causas de erro são as
diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um pensa que suas idéias são as
mais evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas. Aquelas que não
estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são
julgadas como um desvio patológico e são taxadas como ridículas. Isso não
ocorre somente no domínio das grandes religiões ou das ideologias políticas,
mas também das ciências. Quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do
código genético, o DNA (ácido desoxirribonucléico), surpreenderam e
escandalizaram a maioria dos biólogos, que jamais imaginavam que isto poderia
ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito tempo para que essas
idéias pudessem ser aceitas. Na
realidade, as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões. É algo
que nos envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin
dizia: “Os fatos são teimosos, mas, na realidade, as idéias são ainda mais
teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante muito tempo”. Portanto, o
problema do conhecimento não deve ser um problema restrito aos filósofos. É um
problema de todos e cada um deve levá-lo em conta desde muito cedo e explorar
as possibilidades de erro para ter condições de ver a realidade, porque não
existe receita milagrosa.
O Conhecimento Pertinente.
O segundo buraco negro é
que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente,
isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em
primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as
disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são
insubstituíveis. O que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões
entre elas também são invisíveis. Mas isto não significa que seja necessário
conhecer somente uma parte da realidade. É preciso ter uma visão capaz de
situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações,
nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento
pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto. A economia, que é das ciências humanas, a
mais avançada, a mais sofisticada, tem um poder muito fraco e erra muitas vezes
nas suas previsões, porque está ensinando de modo a privilegiar o cálculo. Com
isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o sentimento, a paixão, o desejo,
o temor, o medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações despencam,
aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, e que, freqüentemente,
faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, ligando-se, assim, à
sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é multidimensional
e o econômico é apenas uma dimensão dessa sociedade. Por isso, é necessário
contextualizar todos os dados. Se não
houver, por exemplo, a contextualização dos conhecimentos históricos e
geográficos, cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer
descobrir uma região desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou Serra Leoa, não
entenderemos nada. Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido,
impede a capacidade natural que o espírito tem de contextualizar. E é essa
capacidade que deve ser estimulada e desenvolvida pelo ensino, a de ligar as
partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII: “Não se
pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer
as partes”. O contexto tem necessidade,
ele mesmo, de seu próprio contexto. E o conhecimento, atualmente, deve se
referir ao global. Os acidentes locais têm repercussão sobre o conjunto e as
ações do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi comprovado depois da
guerra do Iraque, da guerra da Iugoslávia e, atualmente, pode ser verificado
com o conflito do Oriente Médio.
A Identidade Humana.
O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja completamente
ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do
homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a
realidade humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos
parte de uma espécie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos parte de uma
sociedade, temos a sociedade como parte de nós, pois desde o nosso nascimento a
cultura se nos imprime. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie
é em nós e depende de nós. Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um
parceiro de outro sexo, acabamos com a espécie. Portanto, o relacionamento
entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina, um dos termos gera
o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária. Eu acredito possível a convergência entre
todas as ciências e a identidade humana. Um certo número de agrupamentos
disciplinares vai favorecer esta convergência. É necessário reconhecer que na
segunda metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as
disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências
da terra, a ecologia e a pré-história.
Tome-se como exemplo a cosmologia, que, efetivamente, utiliza a
microfísica, os aceleradores de partículas para imaginar os primeiros segundos
do universo. Ela utiliza a observação e pratica uma reflexão filosófica sobre o
mundo, assim como fizeram Hubert Reeves, Hawkins, Michel Cassé e tantos outros.
Eles refletem sobre o universo incrível no qual vivemos. Mas o que é importante
para a identidade humana é saber que estamos neste minúsculo planeta perdidos
no cosmos. Nossa missão não é mais a de conquistar o mundo como acreditava
Descartes, Bacon e Marx. Nossa missão se transformou em civilizar o pequeno
planeta em que vivemos. Por outro lado,
as ciências da terra nos inscrevem neste planeta formado por fragmentos
cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores. Resta saber como estes
fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal organização, uma auto-
organização, para nos dar este planeta. É necessário mostrar que ele gerou a
vida, e a nós somos, filhos da vida. A
biologia, com a teoria da evolução, nos prova como trazemos dentro de nós,
efetivamente, o processo de desenvolvimento da primeira célula vivente, que se
multiplicou e se diversificou. Quando
sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que nasceram
no despertar do universo. Temos átomos de carbono que se formaram em sóis
anteriores ao nosso, pelo encontro de três núcleos de hélio que se constituíram
em moléculas e neuromoléculas na terra. Somos todos filhos do cosmos, mas nos
transformamos em estranhos através de nosso conhecimento e de nossa
cultura. Portanto, é preciso ensinar a
unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como indivíduos somos,
cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo sapiens, à qual pertencemos. E o importante é que somos uma
parte da sociedade, uma parte da espécie, seres desenvolvidos sem os quais a
sociedade não existe. A sociedade só vive com essas interações. È importante, também, mostrar que, ao mesmo
tempo em que o ser humano é múltiplo, ele é parte de uma unidade. Sua estrutura
mental faz parte da complexidade humana. Portanto, ou vemos a unidade do gênero
e esquecemos a diversidade das culturas e dos indivíduos, ou vemos a
diversidade das culturas e não vemos a unidade do ser humano. Esse problema vem causando polêmicas desde o
século XVIII, quando Voltaire disse: “Os chineses são iguais a nós, têm paixões,
choram”. E Herbart, o pensador alemão, afirmou: “Entre uma cultura e outra não
há comunicação, os seres são diferentes”. Os dois tinham razão, mas na
realidade essas duas verdades têm que ser articuladas. Nós temos os elementos
genéticos da nossa diversidade e, é claro, os elementos culturais da nossa
diversidade. È preciso lembrar que rir,
chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são inatos, mas
modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem
surda-muda de nascença que ria, chorava e sorria. Atualmente, estudos
demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe. Talvez porque não saiba
o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa
diversidade e singularidade.
Chegamos,
então, ao ensino da literatura e da poesia.
Elas não devem ser consideradas
como secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma
escola de vida e um meio para se adquirir conhecimentos. As ciências sociais
vêem categorias e não indivíduos sujeitos a emoções, paixões e desejos. A
literatura, ao contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio
social, o familiar, o histórico e o concreto das relações humanas com uma força
extraordinária. Podemos dizer que as
telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do homem; o amor, a
morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos
esses elementos são necessários para entender que a vida não é aprendida
somente nas ciências formais. E a literatura tem a vantagem de refletir sobre a
complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrível de seus sonhos. Como
James Joyce, por exemplo, que, ao criar um personagem, mostrava que uma pessoa
pode ter sentimentos totalmente diversos. Ou como o herói de Dostoievski, em O Idiota que não sabe se a jovem está apaixonada por ele e
ao fim da trama, depois de ter sofrido muito, encontra um amigo que lhe diz:
“mas que imbecil você é, não entendeu que ela o ama”. Isto pode acontecer com
qualquer pessoa, é a dificuldade de saber o que o outro pensa e sente.
Marcel
Proust mostrou, em Um amor de Swan, o que ele chamava de intermitências do coração, ou seja, que uma
pessoa pode se apaixonar, esquecer-se da pessoa desejada e voltar a amá-la.
Neste romance o herói sofre durante anos de ciúmes por causa de uma mulher e
quando ele já não está mais apaixonado, diz: “mas eu sofri tanto por uma mulher
que não me amava e que nem era meu tipo”.
Podemos, então, compreender a complexidade humana através da literatura.
A poesia nos ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós
sentimos diante de fatos da realidade. Como, por exemplo, os espetáculos da
natureza: o céu de Brasília que é tão bonito. A vida não deve ser uma prosa que
se faça por obrigação. A vida é viver poeticamente na paixão, no
entusiasmo. Para que isso aconteça,
devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas para a identidade e
para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens;
o homem racional e fazedor de ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está
entre o delírio e o equilíbrio, nesse mundo de paixões em que o amor é o cúmulo
da loucura e da sabedoria. O homem não
se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças, como
também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós
somos Homo ludens, além de Homo economicus. Não vivemos só em função do interesse econômico. Há, também, o homo mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e crenças. Enfim o homem é prosaico e poético. Como
dizia Hölderling: “O homem habita poeticamente na terra, mas também
prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da
poesia”.
A Compreensão Humana.
O quarto aspecto é sobre a
compreensão humana. Nunca se ensina sobre como compreender uns aos
outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que
significa compreender? A palavra
compreender vem do latim, compreendere,
que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação,
mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso, porque, na realidade,
ela comporta uma parte de empatia e identificação. O que faz com que se
compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisar as lágrimas no
microscópio, mas saber o significado da dor, da emoção. Por isso, é preciso
compreender a compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a
verdadeira comunicação humana. A grande
inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na realidade,
isto está se agravando, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior.
Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de
responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que,
consequentemente, alimenta a autojustificação e a rejeição ao próximo. A raiva leva à vontade de eliminar o outro e
tudo aquilo que possa aborrecer. De certa maneira, isto favorece ao que os
ingleses chamam de self-deception,
isto é, mentir a si mesmo, pois o egocentrismo vai tramando sempre o negativo e
esquecendo dos outros elementos. A
redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a
complexidade humana são os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da
incompreensão é a indiferença. E, por este lado, é interessante abordar o
cinema, que os intelectuais tanto acusam de alienante. Na verdade, o cinema é
uma arte que nos ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis os
invisíveis sociais, ensinando-nos a vê-los por um outro prisma. Charlie
Chaplin, por exemplo, sensibilizou platéias inteiras com o personagem do
vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os chefes da Máfia com “O
Chefão”. No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare: reis,
gangsters, assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito:
“Despertados, eles dormem”. Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois
diante da realidade tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso
redor. Por isso, é importante este
quarto ponto: compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se
auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais
devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os seres
humanos.
A Incerteza.
O quinto aspecto é a incerteza. Apesar
de, nas escolas, ensinar-se somente as certezas, como a gravitação de Newton e
o eletromagnetismo, atualmente a ciência tem abandonado determinados elementos
mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza, da micro-física às
ciências humanas. É necessário mostrar em todos os domínios, sobretudo na
história, o surgimento do inesperado. Eurípides dizia no fim de três de suas
tragédias que: “os deuses nos causam grandes surpresas, não é o esperado que
chega e sim o inesperado que nos acontece”. É a velha idéia de 2.500 anos, que
nós esquecemos sempre. As ciências
mantêm diálogos entre dados hipotéticos e outros dados que parecem mais
prováveis. Os processos físicos, assim como outros também, pressupõem variações
que nos levam à desordem caótica ou à criação de uma nova organização, como nas
teorias sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de
Born. Analisando retroativamente a história da vida, constata-se que ela não
foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução segundo
Darwin foi uma evolução composta de ramificações, a exemplo do mundo vegetal e
o mundo animal. O homem vem de uma
dessas ramificações e conseguiu chegar à consciência e à inteligência, mas não
somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo. A história da vida foi,
na verdade, marcada por catástrofes. No
fim da era secundária, a queda do asteróide que matou os dinossauros e ressecou
a vegetação desses animais enormes, matando-os de fome deu oportunidade à
proliferação dos mamíferos. Assim também ocorreu com as sociedades humanas.
Todas sofreram o colapso por uma razão ou outra. Nem mesmo o império romano,
que parecia eterno, conseguiu sobreviver. As sociedades andinas, que eram mais
potentes que seus colonizadores espanhóis e cujas capitais eram muita mais
ricas que Paris, Madri ou Lisboa, foram destruídas por espanhóis que chegaram
com cavalos e armas desconhecidas. As
duas guerras mundiais destruíram muito na metade do século XX, depois da
Primeira Guerra Mundial. Três grandes impérios da época, por exemplo, o romano-
otomano, o austro-húngaro e o soviético, desapareceram. Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o
que chamamos de ecologia da ação: a atitude que se toma quando uma ação é
desencadeada e escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou,
desencadeando influências múltiplas que podem desviá-la até para o sentido
oposto ao intencionado. A história
humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no final do
século XX foi o projeto político de Gorbatchev, que pretendeu reformar o
sistema político da União Soviética, mas acabou provocando o começo de sua
própria desagregação e implosão. Assim
tem acontecido em todas as etapas da história. O inesperado aconteceu e
acontecerá, porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As
previsões não foram concretizadas, não existe determinismo do progresso. Os
espíritos, portanto, têm que ser fortes e armados para enfrentarem essa
incerteza e não se desencorajarem. Essa
incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas o
imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora se admite que não se
conhece o destino da aventura humana. É necessário tomar consciência de que as
futuras decisões devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer
estratégias que possam ser corrigidas no processo da ação, a partir dos
imprevistos e das informações que se tem.
A Condição Planetária.
O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no século XX – que começou, na
verdade no século XVI com a colonização da América e a interligação de toda a
humanidade. Esse fenômeno que estamos vivendo hoje, em que tudo está conectado,
é um outro aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus
problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não
conseguimos processar e organizar. Este
ponto é importante porque existe, neste momento, um destino comum para todos os
seres humanos. O crescimento da ameaça letal se expande em vez de diminuir: a
ameaça nuclear, a ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que
haja uma tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não
conduziu ainda a nenhuma decisão efetiva. Por isso, faz-se urgente a construção
de uma consciência planetária. Conhecer
o nosso planeta é difícil: os processos de todas as ordens – econômicos,
ideológicos e sociais – estão de tal maneira imbricados e são tão complexos,
que compreendê-los é um verdadeiro desafio para o conhecimento. Ortega y Gasset
dizia: “não sabemos o que acontece, isto é o que acontece”. É necessária uma certa distância em relação
ao imediato para podermos compreendê-lo. E, atualmente, dada a aceleração e a
complexidade do mundo, é quase impossível. Mas, faz-se necessário ressaltar, é
esta a dificuldade. É necessário ensinar que não é suficiente reduzir a um só a
complexidade dos problemas importantes do planeta, como a demografia, ou a
escassez de alimentos, ou a bomba atômica, ou a ecologia. Os problemas estão
todos amarrados uns aos outros. Daqui
para frente, existem, sobretudo, os perigos de vida e morte para a humanidade,
como a ameaça da arma nuclear, como a ameaça ecológica, como o desencadeamento
dos nacionalismos acentuados pelas religiões. É preciso mostrar que a
humanidade vive agora uma comunidade de destino comum.
A Antropo-ética.
O último aspecto é o que
vou chamar de antropo-ético,
porque os problemas da moral e da ética diferem a depender da cultura e da
natureza humana. Existe um aspecto individual, outro social e outro genético,
diria de espécie. Algo como uma trindade em que as terminações são ligadas: a
antropo-ética. Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a
autonomia pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), além de desenvolver a
participação social (as responsabilidades sociais), ou seja, a nossa
participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum. A antropo-ética tem um lado social que não
tem sentido se não for na democracia, porque a democracia permite uma relação
indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se sentir solidário e responsável. A
democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades através do
voto. Somente assim é possível fazer com que o poder circule, de forma que
aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar. Porque a
democracia é, por princípio, um exercício de controle. Não existe, evidentemente, democracia
absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas sabemos que vivemos em uma época de
regressão democrática, pois o poder tecnológico agrava cada vez mais os
problemas econômicos. Na verdade, o é importante orientar e guiar essa tomada
de consciência social que leva à cidadania, para que o indivíduo possa exercer
sua responsabilidade. Por outro lado, a ética
do ser humano está se desenvolvendo através das associações não-governamentais,
como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliança pelo Mundo Solidário e
tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas, políticas ou de
Estados nacionais, assistindo aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas
ou em graves conflitos. Devemos conscientizar a todos sobre essas causas tão
importantes, pois estamos falando do destino da humanidade. Seremos capazes de civilizar a terra e fazer
com que ela se torne uma verdadeira pátria? Estes são os sete saberes
necessários ao ensino. E não digo isso para modificar programas. Na minha
opinião, não temos que destruir disciplinas, mas sim integrá-las, reuni-las em
uma ciência como, por exemplo, as ciências da terra (a sismologia, a
vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma concepção
sistêmica da terra. Penso que tudo deva
estar integrado para permitir uma mudança de pensamento; para que se transforme
a concepção fragmentada e dividida do mundo, que impede a visão total da
realidade. Essa visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam
invisíveis para muitos, principalmente para muitos governantes. E hoje que o planeta já está, ao mesmo tempo,
unido e fragmentado, começa a se desenvolver uma ética do gênero humano, para
que possamos superar esse estado de caos e começar, talvez, a civilizar a
terra.