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SOBRE O TEXTO A SEGUIR DA
SEGUNDA RESENHA DO LIVRO - HISTÓRIA
DAS IDÉIAS PEDAGÓGICAS NO BRASIL.
DERMEVAL SAVIANI
SEGUNDA RESENHA DO LIVRO - HISTÓRIA
DAS IDÉIAS PEDAGÓGICAS NO BRASIL.
DERMEVAL SAVIANI
DEMERVAL
SAVIANI - HISTÓRIA DAS IDÉIAS PEDAGÓGICAS NO BRASIL.
CAMPINAS: Autores
Associados, 2007. 473p.
A Editora Autores Associados acaba de lançar a primeira edição de História
da idéias pedagógicas no Brasil, o mais recente livro de Dermeval
Saviani, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O
acabamento gráfico é primoroso, merecendo destaque a cuidadosa seleção de
imagens pertinentes às épocas abordadas. Aguardado com ansiedade, representa o
resultado de sete anos de labor científico, período em que foram levantadas e
compulsadas centenas de fontes documentais, clássicas e historiográficas acerca
do objeto em referência. Ao ser entregue à utilização pública, o relatório
final, agora na forma de livro, constitui-se a primeira história das idéias
pedagógicas, entre nós, construída sob a égide de um único critério
teórico-metodológico. Com efeito, algumas coletâneas têm procurado suprir a
ausência de obras dessa natureza, mas, por melhores que sejam, a
heterogeneidade das matrizes analíticas dos colaboradores sempre produz no
leitor impressões de incompletude, parcialidade e desequilíbrio, seja pelas
prioridades observadas na seleção das temáticas seja pelas discutíveis formas
de abordagem que revestem algumas delas.
Já no Prefácio, o autor demarca a natureza de sua obra. Mesmo
reconhecendo a importância dos estudos analíticos que verticalizam o exame de
objetos específicos, conferiu caráter sintético ao seu livro respondendo,
assim, à carência de escritos "que permitam articular, numa compreensão de
mais amplo alcance, os resultados das investigações particulares" (p.
xvi). Essa solução também se justifica pelo estado de carência de visão de
conjunto em que se encontram os destinatários preferenciais visados pelo autor,
os professores. "Foi [...] pensando nos professores que escrevi este
livro", diz ele. Afirma, ainda, sua esperança de que os "resultados
da investigação" sejam incorporados "nos programas escolares a serem
trabalhados pelos professores nas salas de aula" (idem). Contudo, não deseja que o seu livro se transforme num
manual didático, mas que seja um "roteiro para o estudo" da educação
no Brasil: "num curso geral sobre a história da educação brasileira, o
professor pode tomar esse livro como texto-base, organizando seminários com
grupos de alunos. Nesse caso poderá recomendar, a cada grupo de alunos,
leituras adicionais correspondentes ao período ou fase escolhida, lançando mão
das referências bibliográficas respectivas" (p. xvii). Daí ter preservado,
também, todas as 351 referências bibliográficas que contribuíram para dar
suporte à investigação, estendendo-se o seu longo arrolamento entre as páginas
451 e 472.
Reconheça-se que, para além dessa preocupação do autor com os
professores, o livro está fadado a tornar-se, igualmente, um recurso
indispensável aos pesquisadores da área de história da educação, seja pelo
rigor demonstrado no levantamento e na crítica de inúmeras fontes de
investigação, seja pela formulação, ao longo do texto, de diversas hipóteses
explicativas para questões ainda não suficientemente esclarecidas que, por
isso, demandam pesquisas complementares. Tanto as fontes arroladas quanto as
hipóteses apresentadas são indicações valiosas e tendem a fecundar novas
investigações.
Mas se História das idéias pedagógicas no Brasil é uma síntese das principais idéias
pedagógicas e das práticas educacionais difundidas ao longo de nossa história,
desde a chegada dos primeiros jesuítas ao Brasil até o início do século XXI, é,
também, uma síntese da obra científica de Dermeval Saviani. Idéias de seus
inúmeros e fecundos escritos, produzidos ao longo de três décadas e meia, ora
na forma de pequenos extratos, ora na forma de extensas paráfrases ou, ainda,
revestidas de uma nova forma de expressão para precisar e esclarecer os seus
significados, atravessam e pontuam o livro. São as análises de conjunturas
políticas e de objetos educacionais específicos abordados em artigos, são as
retomadas das tendências pedagógicas que permearam a educação no Brasil, além
das recolocações sobre a pedagogia histórico-crítica.
Na Introdução o autor esboça as linhas gerais do projeto de
pesquisa que redundou no livro e discorre sobre questões teóricas norteadoras
da análise, começando por objetivar o conceito conferido a idéias pedagógicas.
Justifica os ajustes do projeto, decorrentes de avaliações realizadas ao longo
de sua execução, e discute a "questão da periodização na história das
idéias". Essa parte do livro é uma preciosa lição de rigor científico. A
descrição dos passos da investigação, realizada por Saviani, revela, ao mesmo
tempo, um padrão de excelência no exercício da investigação científica que
merece ser tomado como referência por todos os jovens educadores entronizados
na atividade de pesquisa.
Para evitar reduções em face dos embates mantidos entre as
tendências teóricas presentes no cenário da história da educação, o autor
esclarece, de imediato, sua acepção de idéias pedagógicas: "Por idéias
pedagógicas entendo as idéias educacionais, não em si mesmas, mas na forma como
se encarnam no movimento real da educação, orientando e, mais do que isso,
constituindo a própria substância da prática educativa" (p. 6). Esse
esclarecimento é fundamental, pois, considerada à luz do referencial teórico-
metodológico de Saviani, a prática educativa se traduz como expressão de uma
forma concreta de trabalho. Para tanto, o autor sustenta-se, sobretudo, em
aportes de Marx e de Gramsci. O resultado manifesta-se na enorme distância
entre a sua obra e o grosso das investigações dos historiadores da educação no
Brasil, que, de forma dominante, ainda se confina ao âmbito das idéias
educacionais, tangenciando o trabalho educativo que se desenvolve dentro das
salas de aula. Mesmo quem coloca como objeto de investigação as idéias
pedagógicas, muitas vezes acaba enfatizando esse seu componente parcial, as
idéias educacionais, consagrando a persistência da direção dominante. No livro
de Saviani, reafirme-se, isso não ocorre. Por força de seu domínio teórico, que
progressivamente se refinou ao sabor do tempo e do adensamento de seus estudos,
o livro ora lançado capta, de uma forma não reducionista, as idéias pedagógicas,
tanto por força da própria necessidade de apreender seus determinantes
materiais quanto pela preocupação de dimensionar seus efeitos nas práticas
escolares. Essas preocupações já se afirmaram em outros escritos, em especial
naqueles em que procurou estabelecer as bases da pedagogia histórico-crítica,
uma proposta que procura encarnar as necessidades educacionais de nosso tempo,
postulando o emprego de conteúdos didáticos e de recursos científicos e
tecnológicos que sintetizem o repertório de conquistas culturais da humanidade
(Saviani, 1991).
Quanto à periodização da educação no Brasil, Saviani demonstra que
são falsos certos dilemas amiúde apontados por historiadores da educação. A
discussão que empreende demonstra serem improcedentes a condenação dos critérios
de periodização político-administrativa ou de periodização interna à educação,
bem como a apologia do critério que, fundado nas transformações da base
material da sociedade, impõe cortes mecânicos aos quais a educação deve ser
amoldada a qualquer preço. Sustentando-se em Gramsci (p. 4), afirma que o
pesquisador, munido do referencial teórico apropriado, deve realizar a análise
de seu objeto associando-o ao(s) movimento(s) conjuntural(ais)
correspondente(s), mas de forma que capte, sobretudo, o movimento orgânico da
sociedade. Eis o único caminho conseqüente a ser trilhado pelo pesquisador ao
perseguir a concretização de seu objeto de investigação. Eis o caminho
palmilhado pelo autor na investigação e na exposição dos seus resultados,
plasmados estes na forma conferida à presente obra.
Quanto à estrutura, o livro divide a educação no Brasil em quatro
períodos. O capítulo inicial de cada período faz, sempre, uma contextualização
histórica geral no interior da qual ganham sentido as mudanças e permanências
detectadas nas idéias pedagógicas, expostas em seguida. Na seqüência são
descritos, resumidamente, os conteúdos tratados em cada período.
Primeiro período: as idéias pedagógicas no Brasil entre 1549 e
1759: monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional
Reportando-se ao período dominado pela pedagogia jesuítica, em
três capítulos Saviani discute a estreita associação entre os processos de
colonização, educação e catequese. Analisa o século XVI enfatizando a educação
indígena, o plano de estudos elaborado por Nóbrega, seu enfoque profissional,
decorrente da singularidade das condições históricas do Brasil. Daí falar de
uma "pedagogia brasílica", tendência sufocada nos albores do século
XVII com a institucionalização do Ratio Studiorum, que consagrou nos
colégios jesuíticos um plano de estudos universal, elitista e de caráter
humanístico.
Segundo período: as idéias pedagógicas no Brasil entre 1759 e
1932: coexistência entre as vertentes religiosa e leiga da pedagogia
tradicional
Também desenvolvido em três capítulos, esse período discute, de
início, a época dominada pelas reformas pombalinas da instrução pública,
demarcada pelos anos de 1759 e 1827. A época subseqüente, já no interior do
Brasil independente, inaugura-se com a criação de escolas de primeiras letras,
determinada pela aprovação da Lei Imperial de 15 de outubro de 1827, e
estende-se até 1932. Quanto ao primeiro momento, após caracterizar o Iluminismo
luso-brasileiro e a atuação de Pombal, descreve as reformas dos estudos
menores, dos estudos maiores e das escolas de primeiras letras, ocorridas nessa
fase. Ressalta as idéias dominantes no pombalismo, decorrentes, em grande
parte, dos escritos de estrangeirados como Verney e Ribeiro Sanches.
Discute, em seguida, a Viradeira no reinado de d. Maria I e os impactos
das reformas pombalinas no Brasil, em especial como se expressaram no ideário
de Azeredo Coutinho e na sua obra, o Seminário de Olinda. Para a caracterização
do segundo momento, instaurado após a independência, as idéias, num sentido
mais amplo, e as idéias pedagógicas, num sentido mais restrito, são discutidas
a partir de suas aproximações com pensadores da época (Silvestre Pinheiro
Ferreira), com correntes de pensamento e movimentos sociais (ecletismo,
positivismo, catolicismo, abolicionismo, anarquismo, comunismo), com a atuação
de pedagogos (Barão de Macahubas), com as reformas ou propostas de reformas da
instrução pública (Assembléia Nacional Constituinte, Reforma Couto Ferraz,
Reforma Leôncio de Carvalho, pareceres de Rui Barbosa, reformas republicanas da
instrução pública), com os métodos de instrução (método mútuo e método
intuitivo) e com as instituições escolares (grupos escolares).
Terceiro período: as idéias pedagógicas no Brasil entre 1932 e
1969: predomínio da pedagogia nova
A argumentação desenrola-se ao longo de quatro capítulos. Depois
de discutir a "modernização da agricultura cafeeira" e a
"questão da industrialização",
subdivide o período em três cortes mais específicos. No primeiro,
correspondente ao interregno compreendido entre 1932 e 1947, tematiza o
equilíbrio entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova. Ganha o primeiro
plano a atuação de personagens comprometidos com o processo de renovação da
educação, que pontificaram no movimento escolanovista. Lourenço Filho é tratado
como o grande formulador das "bases psicológicas" desse movimento.
Fernando de Azevedo teria sido mentor de suas "bases sociológicas"
nas reformas do ensino. Anísio Teixeira, por sua vez, é celebrado como o
articulador das "bases filosóficas e políticas da renovação escolar"
(p. 198-228). São expostos os embates desenvolvidos pela Associação Brasileira
de Educação (ABE), que culminaram com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (p. 228-254). A reação católica ao
movimento escolanovista merece análise centrada na figura de seu líder maior,
Alceu Amoroso Lima (p. 254-258). As iniciativas governamentais são descritas
com base na atuação de personalidades como Francisco Campos e Gustavo Capanema,
que estiveram à frente do Ministério da Educação (p. 265-270). A constatação é
a de que houve equilíbrio de forças entre renovadores e católicos, nesse
período. Mas não só eles estiveram em cena, daí o destaque dado às correntes
pedagógicas não hegemônicas e, sobretudo, ao papel que o anarquismo e o comunismo
conferiram à educação (p. 270-275). O segundo corte, referente aos anos
mediados por 1947 e 1961, está centrado no domínio da pedagogia nova. A ênfase
recai sobre o encaminhamento do projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) ao Congresso Nacional, por iniciativa de Clemente
Mariani, e o conflito desencadeado, ao longo de sua tramitação, entre os
defensores da escola pública e os defensores da escola particular. Destaca,
ainda, a atuação da Campanha de Defesa da Escola Pública, no interior da qual
pontificou a ação mobilizadora de Florestan Fernandes, o seu manifesto,
denominado Mais uma vez reunidos, e o processo
de renovação da pedagogia católica. O terceiro corte envolve a fase
compreendida entre os anos de 1961 e 1969, inaugurando-se com a aprovação da
LDB. Os destaques ficam por conta da discussão do Plano Nacional de Educação
(PNE), articulado por Anísio Teixeira, da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão
do Ensino Secundário (CADES), na qual Lauro de Oliveira Lima exerceu atuação
relevante, do papel do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB),
enquanto centro mentor da ideologia nacional-desenvolvimentista, e da
mobilização empreendida pelos movimentos de cultura popular e de educação
popular. No interior do movimento de educação popular revelou-se como liderança
maior a figura do educador Paulo Freire. A análise conclui-se apontando a crise
da pedagogia nova e a emergência da pedagogia tecnicista, transição na qual
teve papel destacado o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES).
Quarto período: as idéias pedagógicas no Brasil entre 1969 e 2001:
configuração da concepção pedagógica produtivista
Ao traçar o quadro histórico que contextualiza o período, Saviani
ressalta a contradição que acompanhou o processo de expansão da economia, no
Brasil, após 1930. Se, por um lado, forças nacionalistas postulavam a plena
autonomia política da nação em face da escolha de seus caminhos de
desenvolvimento, o que num certo estágio foi proclamado pelo próprio Governo Vargas,
o que se viu, em seguida, foi a progressiva mudança da base material escudada
em empréstimos externos e na implantação de indústrias monopólicas sediadas nas
nações capitalistas mais avançadas, em especial nos Estados Unidos da América.
A ideologia política do próprio governo, o nacionalismo, com sua ênfase posta na
necessidade de superação da dependência da nação em relação ao imperialismo,
passava a ser solapada pelo rumo internacionalista que se imprimia ao
desenvolvimento da economia. Nesse contexto, a Escola Superior de Guerra (ESG)
foi o bastião em que se formulou a ideologia adequada ao novo estágio da
economia, configurada na doutrina da interdependência. Daí o
golpe militar, que consagrou essa nova ideologia, instaurando a sua
correspondência com o comportamento econômico.
Esse quarto período subdivide-se, também, em três momentos. O
primeiro corresponde aos anos compreendidos entre 1969 e 1980. Nele é discutida
extensamente a pedagogia tecnicista. Começa
tangenciando a questão ao discuti-la "a partir do movimento
editorial". Em seguida, aprofunda a análise ao examinar o papel
desempenhado por Valnir Chagas nas reformas educacionais empreendidas pela
ditadura militar e ao caracterizar a concepção pedagógica tecnicista. Para
Saviani, baseada "no pressuposto da neutralidade científica e inspirada
nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia
tecnicista advoga a reordenação do processo educativo de maneira que o torne objetivo
e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril,
pretende-se a objetivação do trabalho pedagógico" (p. 379). Em seguida, é
exposta a relação entre as concepções tecnicista e analítica. A discussão
conclui-se com o exame da visão crítico-reprodutivista, que pretendeu
"fazer a crítica da educação dominante, pondo em evidência as funções
reais da política educacional que, entretanto, eram acobertadas pelo discurso
político-pedagógico oficial" (p. 390). São expostas as idéias básicas de
seus inspiradores, Bourdieu e Passeron, Baudelot e Establet, além de Althusser,
e indicadas as obras de Luiz Antonio Cunha e Bárbara Freitag que, no Brasil,
expressaram essa tendência.
O segundo corte, envolvendo o período que se desenrola entre 1980
e 1991, devota-se ao estudo das experiências pedagógicas encetadas pelas
pedagogias críticas, daí o subtítulo "ensaios contra-hegemônicos". No
conjunto, descreve as formas assumidas pelas mobilizações de educadores, pela
organização política no campo educacional, bem como pela circulação das idéias
pedagógicas. No interior do processo de luta dos educadores germinaram
entidades como a Associação Nacional de Educação (ANDE), Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Centro de Estudos Educação e
Sociedade (CEDES), fortaleceu-se a Confederação de Professores do Brasil (CPB),
em 1989 transformada na Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação
(CNTE). As associações de docentes das universidades estabeleceram laços
sindicais, daí o surgimento da Associação Nacional dos Docentes das
Instituições do Ensino Superior (ANDES), em 1981. Três anos antes o mesmo já
ocorrera com o segmento dos técnicos administrativos, culminando com a criação
da Federação de Sindicatos de Trabalhadores de Universidades Brasileiras
(FASUBRA). Daí, também, a filiação dessas novas entidades à Central Única dos
Trabalhadores (CUT). Com essas entidades, fortaleceu-se, igualmente, a produção
científica comprometida com "a construção de uma escola pública de qualidade"
e a sua difusão (p. 402). Saviani refere-se à criação de revistas científicas
por muitas dessas organizações emergentes e aos eventos científicos promovidos
por algumas delas. São os casos, por exemplo, das revistas da ANDE, do CEDES e
da ANPEd. São os casos, também, das Conferências Brasileiras de Educação (CBE),
promovidas entre 1980 e 1991 por essas três entidades, e das reuniões anuais da
ANPEd. Depois de reconhecer o refluxo que se seguiu às intensas mobilizações
dos educadores na década de 1980, aponta ser necessário reconhecer a
importância das medidas de política educacional tomadas por governos de
oposição, desde 1982, em estados como Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio de
Janeiro e Santa Catarina. Mesmo que tenham sido marcadas pela descontinuidade,
essas medidas "devem ser contabilizadas como ganhos da 'década
perdida'" (p. 405). A abordagem culmina com a descrição das pedagogias
contra-hegemônicas. São ressaltadas as pedagogias da educação popular, que em
suas análises substituíam a categoria "classe" pela categoria
"povo" e concebiam "a autonomia popular de uma forma um tanto
metafísica", descolada de "condições histórico-políticas
determinadas" (p. 413-414). Nas administrações do Partido dos
Trabalhadores (PT), elas ganharam lugar proeminente. São referidas, também, as
"pedagogias da prática", inspiradas em princípios anarquistas, cujos
principais interlocutores são Oder José dos Santos, Miguel Gonzáles Arroyo e
Maurício Tragtenberg. Recebe menção, igualmente, a "pedagogia crítico-social
dos conteúdos", formulada por José Carlos Libâneo. Para Saviani, mesmo
reconhecendo outras influências como as de Manacorda, Suchodolski, Leontiev,
Luria, Vygotski, Libâneo "inspira-se diretamente em Snyders que sustenta a
'primazia dos conteúdos' como critério para distinguir as pedagogias entre
si", logo "para distinguir uma pedagogia progressista ou de esquerda
de uma pedagogia conservadora, reacionária ou fascista" (p. 416). Finaliza
com a análise da pedagogia histórico-crítica, que resume sua própria concepção
e sua proposta de educação para o nosso tempo. Historia as origens dessa
concepção, situando-as em escritos do início da década de 1980, e seu
desenvolvimento até consolidar-se na forma de "primeiras
aproximações" em 1991 (p. 418-419). O autor resume sua forma de entender a
"pedagogia histórico-crítica" da seguinte forma:
[...] a
pedagogia histórico-crítica é tributária da concepção dialética,
especificamente na versão do materialismo histórico, tendo fortes afinidades,
no que se refere às suas bases psicológicas, com a psicologia
histórico-cultural desenvolvida pela Escola de Vigotski. A educação é entendida
como o ato de produzir, direta e indiretamente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.
Em outros termos, isso significa que a educação é entendida como mediação no
seio da prática social global. A prática social põe-se, portanto, como o ponto
de partida e o ponto de chegada da prática educativa. Daí ocorre um método
pedagógico que parte da prática social em que o professor e aluno se encontram
igualmente inseridos, ocupando, porém, posições distintas, condição para que
travem uma relação fecunda na compreensão e no encaminhamento da solução dos
problemas postos pela prática social. Aos momentos intermediários do método
cabe identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização),
dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução
(instrumentação) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da
própria vida dos alunos (catarse). (p. 420)
Acentua, por fim, que sua proposta, além de manter-se na condição
de "forma de resistência à onda neoconservadora", vem recebendo
contribuições de outros estudiosos, entre os quais cita João Luiz Gasparin,
Antonio Carlos Hidalgo Geraldo, Suze Gomes Scalcon, César Sátiro dos Santos e
Ana Carolina Galvão Marsiglia (p. 402).
O último corte temporal incide sobre a fase que se desenrolou
entre 1991 e 2001. O autor conclui que, nessa fase, como decorrência da
transição do fordismo para o toyotismo, as idéias pedagógicas no Brasil
"expressam-se no neoprodutivismo, nova versão da teoria do capital
humano", o que acaba desaguando na "pedagogia da exclusão".
Enquanto orientação pedagógica, o neoescolanovismo recupera a bandeira do
"aprender a aprender" e o neoconstrutivismo "reordena [...] a
concepção psicológica do aprender como atividade construtiva do aluno". O
Estado imprime uma forma de organização às escolas buscando obter o máximo de resultados
com os recursos destinados à educação. Para tanto, são mobilizados instrumentos
como a "pedagogia da qualidade total" e a "pedagogia
corporativa". Saviani apropria-se de duas expressões analíticas, antes
empregadas por Acácia Kuenzer, para ilustrar o resultado dessas iniciativas:
"exclusão includente" e "inclusão excludente". Os
mecanismos de inclusão de mais estudantes no sistema escolar, tais como "a
divisão do ensino em ciclos, a progressão continuada, as classes de
aceleração", que mantêm as crianças e os jovens na escola sem a
contrapartida da "aprendizagem efetiva", permitem a melhoria das
estatísticas educacionais, mas a clientela continua excluída "do mercado
de trabalho e da participação ativa na vida da sociedade. Consuma-se, desse
modo, a 'inclusão excludente'" (p. 439-440).
Na Conclusão, depois de retomar resumidamente todo o conjunto de
idéias extensamente desenvolvido ao longo do livro, Saviani relembra a passagem
da década de 1970 para a de 1980 para evidenciar a coexistência de diferentes
tendências pedagógicas no tempo. Retrata, por força dessa coexistência, o
"drama do professor" à época, pois, se "tinha uma cabeça
escolanovista", operava numa materialidade escolar pertinente à educação
tradicional, situação agravada pelas exigências de planejamento e racionalização
desencadeadas pela pedagogia oficial, que incluíam o preenchimento de
formulários, a operacionalização de objetivos educacionais etc. Caso ignorasse
as exigências desse tecnicismo, era acusado de não atender a critérios de
eficiência e produtividade. Em paralelo, a tendência crítico-reprodutivista
começava a revelar que a sua participação no processo de "formação da
força de trabalho" e na "inculcação da ideologia dominante"
terminava por "garantir a exploração dos trabalhadores e reforçar e perpetuar
a dominação capitalista". As pedagogias contra-hegemônicas da década de
1980 pareciam apontar uma saída para o professor e para a realização de uma
"educação efetivamente crítica e transformadora", mas sucumbiram. E a
década de 1990 chegou proclamando o "império do mercado" e realizando
"reformas de ensino neoconservadoras". Reconhece que "grande
parte" dos educadores cederam "ao canto de sereia das novas
pedagogias nomeadas com o prefixo 'neo'". As "novas idéias"
estão associadas à "descrença no saber científico" e à "procura
de 'soluções mágicas' do tipo reflexão sobre a prática, relações prazerosas,
pedagogias do afeto, transversalidade dos conhecimentos e fórmulas
semelhantes". Nesse quadro, cresce o desprestígio dos professores,
enquanto se consuma o domínio do "utilitarismo" e do
"imediatismo da cotidianidade" sobre "o trabalho paciente e
demorado de apropriação do patrimônio cultural da humanidade" (p.
444-446).
Apesar do quadro exposto, suas palavras finais expressam otimismo
e afirmam uma esperança:
Não obstante,
mantiveram-se análises críticas e focos de resistência à orientação dominante
na política educacional, que tendem a se fortalecer, neste novo século, à
medida que os problemas se agravam e as contradições se aprofundam,
evidenciando a necessidade de mudanças sociais mais profundas. Nesse contexto,
seria bem-vinda a reorganização do movimento dos educadores que permitisse, a
par do aprofundamento da análise da situação, arregimentar forças para uma
grande mobilização nacional capaz de traduzir em propostas concretas a defesa
de uma educação pública de qualidade acessível a toda a população brasileira.
(p. 449)
Ao concluir pela importância de que se reveste o referido livro,
recomenda-se a sua leitura aos educadores de uma forma geral, em especial aos
que exercem a docência em todos os níveis de ensino, aos pesquisadores da
educação, não somente os que se incluem no campo dos fundamentos da educação,
aos historiadores e aos cidadãos interessados na questão da educação no Brasil
e na sociedade capitalista. Pela relevância de seu conteúdo, pela coerência e
pelo rigor da argumentação e pelos esclarecimentos que impactam as consciências
dos leitores, com História das idéias pedagógicas no Brasil Saviani contribui para o avanço das
condições subjetivas necessárias ao cumprimento da grande tarefa por ele mesmo
anunciada como prioritária: a defesa e a produção de uma educação pública de
qualidade para todos os brasileiros.